quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Uma mulher brasileira

Senti que Ana ficou realmente feliz quando soube que a entrevista não era com Ana Georgina, Economista Supervisora do DIEESE, mas sim com Ana - a colega; Aninha - que se percebeu aos 13 anos; Ana Geo - a amiga, a chefe incomparável, a fã do Morrisey, a viajante do mundo afora, mas sobretudo, a Ana - mulher brasileira que trabalha bastante, ama, amadurece e tem um coração enorme. Quisera entrevistar todas elas. Entretanto, foi melhor exibir um pouco dela aqui e deixar que um dia contemplem sua pluralidade pessoalmente.



Beto – Então, a primeira pergunta é. Essa primeira na verdade não fui eu quem elaborou, foi um dos últimos entrevistados que fez e deixou pra você, não especificamente, mas deixou para o próximo entrevistado, que no caso é você (risos). Então, a pergunta é: O que você faria se o mundo acabasse amanhã?
Ana – Nossa, é uma pergunta que me faço muitas vezes e nunca consegui chegar a uma conclusão exata. Eu queria fazer muitas coisas se o mundo acabasse amanhã, mas acho que talvez eu tentasse fazer algo que nunca fiz, só que tem muitas coisas que eu nunca fiz e é difícil saber e escolher... E a ideia de fim é muito radical, né. Quando eu penso no fim eu gostaria de estar com as pessoas que eu gosto, nos últimos momentos, e fazendo coisas diferentes, coisas loucas, só que eu gosto de muita gente que está espalhada pelo mundo, então eu não sei exatamente com quais dessas pessoas eu estaria. Só sei que eu gostaria de estar com pessoas que eu gosto muito e fazendo coisas que sempre quis e nunca pude fazer. Eu tenho uma amiga que disse que talvez pulasse de pára-quedas, porque sempre teve medo de pular, embora ela tenha vontade, mas já que o mundo ia acabar ela se sentiria encorajada. Eu gostaria, talvez, de encerrar minha estadia no mundo entrando no mar e sem precisar sair, entende? Eu gosto de mar, mas é algo que me causa um certo medo e eu acho que seria massa.

Beto – Muito bem. A minha primeira: Como é a maturidade do amor?
Ana – Uh, como assim? (risos) Olha, sinceramente, eu não conheço ninguém que seja maduro no amor. Todos que eu conheço que de fato amam, por mais maduros e espiritualizados que sejam, isso é sempre um calcanhar de Aquiles pra todo mundo. Exatamente por que você é tragado por uma coisa que não sabe onde vai dar. Eu acho que todo mundo quando se apaixona, embora seja uma coisa maravilhosa, têm muito medo do que isso possa significar de entrega, de estar na mão do outro, então por isso eu acho que a gente não consegue ser maduro, por que o medo, a cautela, ou então a falta dos dois, por você se entregar muito, tornam a gente um tanto quanto imaturo. Pelo que eu era aos 13 anos e para o que sou hoje, acho que em algumas coisas eu melhorei, mas no amor sinto que estou andando em círculos. Eu aprendi coisas pra determinadas pessoas, mas pra outras que entram na minha vida eu não sei nada, então não há, em minha opinião, maturidade.

Beto – Qual é a principal característica da mulher brasileira?
Ana – Olha, acho que a principal característica da mulher brasileira é que nós somos muito obstinadas, muito guerreiras. Isto em todos os aspectos. Somos muito batalhadoras. Não temos ainda um espaço. Não me refiro apenas ao mercado de trabalho, política... O Brasil é um país difícil pra todo mundo, e pras mulheres normalmente essa dificuldade é maior. Eu acho que o espírito de luta, a obstinação são as principais características da mulher brasileira. Embora todo o resto da humanidade queira nos fazer crer que somos belas, atraentes... eu acho que até nós somos. Mas eu não gostaria, como mulher brasileira, de ser lembrada apenas por isso. Mas sim que somos mulheres muito batalhadoras e muito inteligentes. Se você levar em consideração que uma boa parcela da população feminina do Brasil banca sua família sozinha, com filhos e outros dependentes, muitas vezes fazendo mil malabarismos, eu diria que as principais características são a criatividade, a obstinação e o espírito de luta. Não é uma só, são várias características. Ainda bem.

Beto – Eu sabia que você teria uma ótima resposta pra essa pergunta.
Ana – (Risos) Imagina...

Beto – Continuando as perguntas sérias, o que há de certo e de errado no Brasil?
Ana – Ai, nossa... De errado há muita coisa, mas eu acho que a gente também tem um hábito cultural de sempre ver o que tá errado, e todo mundo olha, discute, por exemplo: as pessoas reclamam da falta de educação, da falta de mobilidade, mas eu vejo muita gente que reclama parando na faixa de pedestre, ou estacionado na calçada bloqueando a passagem das pessoas. Coisas simples, como jogar o lixo no chão. A falta de noção do direito do outro. Do seu próprio direito. Eu acho que essas coisas não são direito meu, são direito de todos. É meu porque é de todo mundo. As pessoas gostam muito de reclamar do que está errado, mas elas não gostam de ceder um milímetro do seu conforto. Há muito pouca disposição de mudar o que há de errado começando pelas pequenas coisas. Em relação ao que há de certo, apesar da vida não ser fácil, as pessoas não perdem um sentimento de que “vale a pena.” A gente tá falando da maioria quase absoluta da população, que se você olhar de uma forma fria, talvez não tivesse motivo nenhum pra querer amanhecer no dia seguinte. E essas pessoas têm prazer em estar vivas. Acho que a gente herdou isso de nossa origem africana, porque é surpreendente quando a gente observa nos documentários e reportagens sobre a África aquelas pessoas... se elas se compararem com qualquer outra pessoa pelo padrão médio de vida elas vão achar que não têm direito a vida. E elas têm uma vontade e uma alegria absurda de continuar vivendo. Nós herdamos isso e essa grande mistura que somos pode ter potencializado. E aí é sem duvida nossa grande característica porque quando você tem prazer de estar vivo você faz tudo pra sobreviver, aflora uma coisa maravilhosa que é a criatividade. Não é a toa que falam que o brasileiro é tão criativo... bom na música, nas artes, é obvio! É um tipo de sobrevivência. É o nosso ponto mais forte. Se isso fosse aliado a condições de acesso a educação e cultura, acho que não teria pra ninguém.

Beto – Se você tivesse que fazer uma viagem de carro e tivesse que levar uma dessas duplas, qual você levaria: Morrisey e Bush ou Chico Buarque e ACM?
Ana Geo – (Risos) Putz, mas isso não é justo! Não poderia ser o Morrisey e Chico? Não sei... Olha, não é segredo pra você que eu sou alucinada pelo Morrisey. Por outro lado o Chico é uma pessoa que me apaixono a cada dia mais por admiração, porque o acho um cara que fez 65 anos de idade e hora após hora ainda tem o que dizer, ainda tem com o que se surpreender e nos surpreender. É bem pertinente essa pergunta por que estou lendo um livro dele. E quando pensamos que ele já fez tudo de bom que podia ter feito, a gente se surpreende vendo que o cara é uma usina de boas ideias. Sem ser pretensioso ou arrogante. Pelo menos em língua portuguesa, eu não conheço ninguém que fale tão bem da alma feminina como ele. Politicamente ele tem uma importância gigantesca. Quando você pega a obra dele no período mais complicado do país, ele consegue com sutileza dar uns recados muito contundentes, que todo mundo queria. E tenho também um sentimento de orgulho do Chico ser brasileiro. Não que Morrisey se diminui por ser inglês. Pelo contrario, ele me dá uma sensação de que os males humanos são universais. Os sentimentos são humanos, não têm barreira geográfica. E ele continua falando coisas interessantes desde que eu tinha 13 anos... (sempre falo dos 13, né? Mas é que aos 13 eu passei a existir como pessoa com gostos, pensamentos... me descobri gente com 13 anos.) E de lá pra cá o Morrisey sempre esteve presente. Ele não ficou velho, é atual embora fale de velhas coisas. Eu faria a opção pelo Chico e ACM. (risos) O ACM tem uma historia de amor e ódio com as pessoas em geral, rs... eu nunca vi alguém que despertasse tanta paixão e tanta repulsa. Ele foi uma pessoa que não causou indiferença nas outras, rs. E não acho que na esfera política ele tenha sido diferente da maioria dos políticos brasileiros, que são de uma tacanhice absurda, infelizmente. Eu o vejo como uma figura meio folclórica, tipo Curupira ou Mula-sem-cabeça. Ele é um mito. Já ouvi coisas bonitas e coisas horrorosas a respeito dele. Então é impossível não ter certa curiosidade por alguém que viveu a sua vida despertando esse tipo de sentimento nas pessoas. Eu nunca vi o Bush como uma encarnação do mal. Sempre o vi como uma pessoa muito limitada, uma figura patética. O Bush é a antítese do ACM em relação à questão de personalidade. Ele não deixou uma marca. Será lembrado como um idiota. A imagem que tenho do Bush é no 11 de setembro, ele com os olhos arregalados “meu Deus do céu, quem poderá me defender?!” Eu não gosto do Bush, não porque ele é uma pessoa fraca, mas porque ele é o tipo de pessoa que PENSA que é mais forte que os outros. Mas eu reitero que minha opção seria o Chico e Morrisey, mas confesso que me daria um prazer muito grande ver um papo do ACM com o Chico (risos).

Beto – Se você encontrasse com o Morrisey, sobre o que conversaria?
Ana Geo – Eu acho que a primeira coisa que iria falar pra ele seria: Morrisey, eu sei exatamente o que suas musicas querem dizer, sei exatamente o que você sente. Eu sinto da mesma forma. Não tenho ilusões de que ele seja uma pessoa fácil, dá pra perceber pelas musicas. Elas sempre falaram de pessoas com muito sangue nas veias, muito sentimento, e que não têm como colocar isso pra fora, por impossibilidades, amores não correspondidos...

(Depois de um milhão de coisas sobre identificação com Morrisey, e até mesmo sobre Renato Russo, Chico e Gilberto Gil...)

Ana Geo - Eu falaria com o Morrisey sobre tudo, até as coisas mais banais... É que quando penso no Morrisey eu nunca penso nele dando oportunidade pra alguém se aproximar a ponto de ter uma conversa.

Beto – Eu vou mandar pra ele o link do blog pra te conhecer mais, viu Ana.
Ana – (Risos) Acho que a maneira que ele tem de se comunicar com o mundo é essa, através das músicas dele, o que ele faz maravilhosamente bem. De repente a gente ia sentar e conversar sobre a neblina, o clima londrino, não sei, talvez nada... Eu ia gostar tanto de estar perto dele, bater um papo meio telepático, eu não ia escapar dessa coisa muito brega de dizer que eu gosto muito dele... Disso eu não ia escapar. Ele me dando moral ou não (risos).

Beto – Faça uma pergunta para o próximo entrevistado.
Ana Geo – “O que é realmente importante pra você?” Quando sou apresentada pra alguém eu sempre tento saber isso. A pessoa poderá falar muito, mas em algum momento da resposta você vai saber o que é mesmo importante e daí você pode “adivinhar” várias coisas.

8 comentários:

Beto Góis disse...

Gente, podem deixar perguntas pra ela aqui. =)

gabriella disse...

achei bonito e pertinente o que ela disse sobre a 'maturidade no amor'. é, gostei.

Iara Canuto disse...

Viva os Smiths! :)

Unknown disse...

Eu queria fazer uma pergunta... que me foi feita ainda hoje e que eu achei ultra-pertinente:
se você soubesse - e tivesse provas irrevogáveis - da não existência de Jesus Cristo, o que você faria?
Acho que cabe, tendo em vista todas as conversas no DI (Ai que saudade!)

Anônimo disse...

Elisa, eu como sou alguém que acredita (rs), continuaria acreditando em Buda, Maomé, nos Orixás, em Meishu-Sama, etc. Não sei se mudaria muita coisa. Na realidade, acho que o mais importante é mensagem deixada, mesmo que ele não tenha existido, acho que a mensagem que atribuem a ele é muito massa, embora eu não seja cristã! Saudades, lindinha!

Larissa Nascimento disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Larissa Nascimento disse...

Fantástico isso aqui... Tb penso que a criatividade é um tipo de sobrevivência. Se não tivéssemos esse recurso nunca nos regularíamos e perderíamos o eixo de uma vez. Até porque, temos motivos de sobra pra isso.

Garota enxaqueca disse...

Em relação ao que foi atribuído ao conceito de mulher brasileira, discordo da entrevistada. Creio que essa figura de mulher lutadora é altamente mitológica e sonhadora. O que ocorre no Brasil é a pobreza e todos que vivem isso tendo de se virar da melhor maneira possível. É isso ou o fundo do poço. Não há escolha e, por isso, não há mérito. Em qualquer lugar pobre do mundo, onde as mulheres tenham direitos iguais, essa dinâmica social acontece.
Acho que se há uma característica comum em relação à brasileira é a vaidade. Pesquisas comprovam: a mulher brasileira é mais vaidosa do mundo - para o bem da poesia, para o mal da alma.