quinta-feira, 7 de março de 2013

Melodias, lugares e sonhos.

Despretensiosamente resolvi ir a um show dessa banda, a Velotroz, e grande foi a minha surpresa: gostei pra caramba! E é tão legal isso! Adoro quando me dou a oportunidade de ouvir e ver algo novo em Salvador e comprovo que há sim artistas e propostas musicais super interessantes rolando na cidade (todo mundo deveria tentar isso de vez em quando, faz bem!). :)
Porém minha surpresa foi ainda maior com o talento e a performance de Giovani Cidreira, vocalista, violonista e um dos compositores da banda. Coincidentemente nos encontramos na 2ª fase do vestibular e pude convidá-lo pessoalmente para uma entrevista.
Foi assim que, numa tarde quente de segunda-feira, no pátio do cinema, gravador ligado, começamos...

















Iara - O que é preciso para se fazer uma boa canção?
Giovani - Pra mim, do jeito que eu fiz as músicas que considero boas, é tentar expor de verdade, e com toda a sinceridade, a impressão real das coisas, sem forçar a barra, entendeu? Porque hoje o pessoal tem feito umas coisas... Tipo assim, você tira uma foto de uma banda (não sei se meu pensamento está muito doido) ou de uma artista, e tem toda uma descrição, que ele está fazendo música baiana, uma música que resgata alguma coisa, e na verdade não é nada daquilo, entendeu? As pessoas compram mais hoje em dia conceito do que a música mesmo, e acaba sendo vazio, um negócio forçado, o cara querendo escrever sobre algo que ele não viveu... As música que eu acho que são boas sinto que foram feitas da forma mais verdadeira, de coisas que você viveu de verdade, ou que estão acontecendo com você. Então pra fazer uma música boa a 1˚ coisa é que ela tem que ser real, tem que acontecer primeiro.

Iara - Você, aos 22 anos, se considera adulto?
Giovani - Ainda não me considero, mas venho me deparando com problemas de adulto. Meus problemas antes eram outros, pra mim e pros meus amigos, mas agora as coisas estão cada vez mais sérias. Cada dia que passa existe uma cobrança maior em casa e uma cobrança que eu faço pra mim mesmo. É aquela coisa, né? Tocar a gente toca, mas eu nunca ganhei dinheiro mesmo com isso. E aí? Porque que eu estou fazendo isso? Por que eu continuo fazendo isso? É, há uma questão agora de sobrevivência, e isso deixa claro pra mim que agora as coisas são diferentes, agora estou tendo que correr atrás da minha sobrevivência.

Iara - E o "correr atrás da sobrevivência" não é ser adulto?
Giovani - Acho que é. Boa parte de ser adulto é fazer as coisas com menos segurança, né? Menos segurança financeira dos pais... Acho que a única coisa que não me deixa ser adulto é isso, porque o resto, fora o financeiro, a segurança e as coisas que você precisa fazer para sobreviver, ninguém entende muito das coisas pra falar que é adulto, ninguém sabe muito bem das coisas ao certo, se relacionar direito, por exemplo, ninguém sabe. Então todo mundo é meio besta mesmo...

Iara - O que veio primeiro: o canto ou o instrumento?
Giovani - O canto. Eu morava no interior que tem aqui na Bahia, que é Castro Alves, numa fazendo onde só morávamos eu, meu pai, minha mãe e meu irmão, num lugar totalmente deserto, numa casinha num topo de uma montanha. Eu não gostava muito de brincar com meu irmão, ele é meu irmão gêmeos, mas ele era muito mais ativo, mais pra frente, andava de bicicleta, caçava, fazia aventura, e eu não gostava dessas coisas porque tinha medo de cair, quebrar o braço, enfaixar... Aí eu ficava mais pelo mato, assim, cantando as coisas... Viajando e cantando! (risos). Minha mãe lá ouvia muito forró, Luiz gonzaga... E tinha aquele negócio do povo ir andando, bebendo, tocando e entrando nas casas, e eu ouvia aquilo tudo e ficava cantando essas músicas. E depois, com a explosão do sertanejo, veio a fase de Zezé de Camargo que eu adorava (risos). Eu ficava cantando sozinho e pensando: poxa, sou o Zezé! (risos) Então, eu já cantava. 

Iara - E já cantava bem desde criança?
Giovani - Não sei.

Iara - As pessoas reconheciam isso em você?
Giovani - Achavam engraçado. "É, esse menino leva jeito, ele vai ser num sei o quê". Eu tava sempre com um violãozinho de brinquedo na mão, mas só fui aprender a tocar violão mesmo bem depois. Inclusive quando eu vim pra Salvador eu comecei a tentar compor sem saber tocar nada, aí depois eu comecei com o violão e ficou mais fácil fazer as músicas. 

Iara - Venha cá, eu nunca fiz essa pergunta, é uma coisa que eu tenho, mas eu acho que muita gente tem disso também: você liga os lugares a certas músicas ou estilos musicais?
Giovani - Sim, claro. Quando eu ouço reggae, por exemplo, eu penso em praia, e inclusive eu faço música assim também. As últimas que fiz falam de imagens, na verdade não diz do lugar,  mas eu sinto o lugar quando eu... Entendeu? É... Descrevendo o lugar em forma de melodia, não sei, da intenção do negócio ... Mas eu gosto, eu viajo nisso. Tá entendendo o que eu estou falando? Não sei se estou sendo claro (risos). 

Iara - (risos) Então você tenta traduzir em música certos lugares, é isso?
Giovani - É, lugares até que eu não conheço, mas que eu tenho vontade de conhecer. Lugares que as pessoas vão e me contam. Tenho 2 músicas minhas que é bem isso. Uma é Ancoruma, que é uma montanha dos Andes. A imagem dela veio como uma batida pra mim. A outra é Trem de Outra Cidade. A imagem que eu tenho quando toco ela é eu indo de Salvador pra Cachoeira e vendo aqueles trilhos abandonados, o que me remete ao tempo que morei no interior e a casa de minha vó em Santo Amaro. 

Iara - A 1˚ vez eu eu vi você no palco eu pensei "esse menino nasceu artista"! (risos). Eu fiquei impressionada com a sua performance, por que eu vi que era verdadeira. A gente nota quando uma pessoa tenta ser algo no palco e quando a pessoa simplesmente é o que sente, e transparece. E então eu te pergunto se é possível descrever o que você sente quando fecha os olhos e canta? 
Giovani - Pô, é uma coisa que ninguém nunca perguntou e que é difícil responder. Eu acho que ali é a hora que eu tento dizer as coisas que não consigo dizer pra muitas pessoas, toda a minha dificuldade de me relacionar com algumas pessoas, de falar, de ir a alguns lugares, tudo o que acontece comigo, as coisas ruins, as coisas boas, fica tudo misturado quando eu estou ali no palco. E eu deixo me levar... Não sei explicar, na verdade, mas é como se fosse um sonho, entendeu? E sonhando ali posso fazer qualquer coisa, porque nada vai me fazer muito mal ou mal às pessoas. E aí de repente quando acaba eu fico pensando: poxa, será que aquilo que eu fiz foi verdade? Tipo quando a gente sonha que tá acordado, mas aí a gente acorda e percebe que estava sonhando. 

Iara - E desde a 1˚ vez no palco já foi assim?
Giovani - Desde a 1˚ vez sim! 

Iara - E você já ficou envergonhado?
Giovani - Nunca fiquei. Depende muito do meu estado. Já rolou d'eu ir pra um show em um dia que eu não estava a fim de fazer nada, queria ter ficado em casa. Aí eu fiz de qualquer jeito, queria que as músicas acabassem logo... Mas nunca senti vergonha não. É como eu te falei, é outra coisa, outra realidade. Meus amigos que estão ali no palco são outra coisa pra mim, não são só meu amigos... São outros seres (risos), não sei explicar, mas são diferentes, e eu posso fazer qualquer coisa. É o meu lugar preferido, onde eu posso gastar (risos). 

Iara - Uma paixão da adolescência.
Giovani - Discos.

Iara - Vinil?
Giovani - É, minha adolescência foi isso. Comecei a comprar discos porque sempre gostei. Eu lembro que quando era pequeno minha vó tinha uma vitrola e ouvia muito Roberto Carlos... E eu sempre quis ouvir disco, sempre gostei do som. E na minha casa a gente demorou pra se desfazer da radiola e comprar um som mais moderno. Então eu peguei ainda um restinho de ter disco em casa e colocar pra tocar. Cheguei a comprar alguns cd's, mas eu queria o disco. Aí na minha adolescência eu ficava no quarto ouvindo discos...

Iara - Fale aí aquele disco que é o seu xodó.
Giovani - Não é o melhor, nem é dos mais raro, mas é um disco que eu gosto muito, porque eu acho que ele mudou o meu jeito de escrever, e eu descobri o que se podia fazer com a voz. É o tipo da coisa que você acha impossível até que você ouça, é o Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento. Os dois, o em estúdio e o ao vivo de 74.

Iara - Vamos pras rapidinhas então.
Giovani - Eu sou péssimo com essas rapidinhas, mas pode ser uma rapidinha demorada, né? (risos)

Iara - (risos) Preparado? Acenda seu cigarro aí primeiro... Então, um livro de cabeceira.
Giovani - A Rosa do Povo, de Drummond.

Iara - Uma imagem.
Giovani - O quintal da casa de minha mãe em Valéria, dá pra ver a BR assim ó, é bonito pra caralho! 

Iara - Ah, foi daí então que surgiu aquele trecho da sua música "tenho uma pista ao invés de um quintal"? Que legal! (risos) 
Giovani - (risos) É, justamente.

Iara - Uma conquista.
Giovani - Difícil essa pergunta. Não sei... Talvez o fato de que, mesmo com toda essa dificuldade, eu consiga estar tocando e fazendo música. Acho que é uma grande conquista. Não desistir é uma grande conquista. 

Iara - Uma sina. 
Giovani - Nascer, crescer, reproduzir e morrer, feliz (risos). 

Iara - (risos) É uma boa mesmo. Uma melodia. 
Giovani - Pode ser uma resposta grande? Uma vez eu estava com dois grandes amigos meus, Alice e Victor Bastos, e a gente começou a cantar uma música minha, só vozes. Eles não são cantores. Mas aí a gente entrou numa viagem, do nada. Estávamos às 2 horas da manhã conversando, e ela começou a cantar uma música minha, eu puxei e ele puxou, e a gente foi pra uma outra coisa, uma outra música que eu não sei que porra era aquela, mas era lindo, era realmente lindo! Eu fechei os olhos e de repente  esqueci onde estava, e achei que estava no espaço, e quando eu abri o olho vi que ela estava chorando, aí ele olhou pra mim e disse: "gente, que coisa transcendente!"(risos). E aquela melodia é a música que eu vou tentar fazer pro resto da minha vida. É a mais bonita, de uma música que eu não conheço, mas é minha, é nossa... Eu só consigo pensar nela, mas não sei cantá-la (risos). 

* Foto p&b por Caio Paiva
** Foto de show por Nathália Miranda