segunda-feira, 8 de junho de 2009

A tal da voz pavorosa no gravador


E como fala essa criatura: “Eu não falo muito não, gente. É só não me dar ousadia.” Coleguinha do cinema, Rafael é Coisinho nem me lembro mais porquê, só sei que é um apelido carinhoso. E tem sido legal ver o interesse das pessoas, elas querem ser entrevistadas! Esse aí me pedia todos os dias (risos). Enfim, o dia chegou. Entre quebra-barraco, fantasmão, posters, sofá amarelo, kraftwerk... “Acho minha voz pavorosa no gravador” – Tá bom, vamos começar a entrevista...

Iara – Você tem um ideal?
Rafael Coisinho – Então, tô numa época da minha vida, essa coisa da juventude, em que ainda tento construir os meus ideais, desbravar, descobrir utopias. Acredito, tenho minhas noções e perspectivas, mas é algo que não pára e que a cada novidade se reestrutura e muda de corpo. É o que eu busco mesmo, demolir e construir, e assim seguir dando forma aos meus ideais. E é o que move né? É a questão do olhar. Minhas escolhas, sejam elas profissionais, afetivas ou simplesmente a forma que eu lido com o que chega, tudo isso passa pelo meu ideal.

Iara – Normalmente as pessoas são mais guiadas pelos ideais quando estão na adolescência, e o que mais acontece é, aos poucos, quando vamos crescendo, irmos perdemos a maioria deles porque vamos “caindo” na realidade, blá, blá ,blá, trabalho, família... O que você acha sobre isso?
Rafael C. – Acho que alguns ideais se foram mesmo, e outros vieram. Isso de ficar preso a um sonho é perigoso. Eu já sonhei muito na vida (parece que sou uma pessoa de 70 anos né? Risos), eu já quis muita coisa: já me imaginei paleontólogo, médico, já imaginei cenários de vida pelos quais eu quis lutar, mas eu fujo de ficar preso a um sonho ou a um ideal, ou de ficar engessado. Não que eu não sustente meus desejos, eles se transformam mesmo, é a natureza deles, ou a minha natureza. Cada passo de descoberta reconfigura a gente, e tô vivo, né não?

Iara – Ou seja, Rafael Coisinho é volúvel! (risos)
Rafael C. – Volúvel? Não, isso dá uma ideia de que bate um vento e eu mudo, não é bem assim não. Existe um centro.

Iara – Porém, acho que a maioria das pessoas da nossa idade, hoje em dia, é assim.
Rafael C. – Ah, então eu tô na geração certa né. Que bom! Isso foi um abraço, essa fala, ó...

Iara – Ok, próxima: Uma música pra dançar.
Rafael C. – Poderia ser a que está tocando... não! (o que está tocando é Kraftwerk) Eu poderia dizer tanta coisa... As músicas que eu tenho dançado atualmente. Putz, que música eu fico doido gente? Tem música que eu fico doido, que eu pulo bastante...

Iara – Decida-se! (risos)
Rafael C. – Você está vendo o verdadeira Rafael, que leva 4 minutos pra se decidir por uma música! Essa é minha fraqueza, esconda isso! - 2 minutos depois – No carnaval, quando tocou “Quebre igual a negona” foi uma coisa bonita, e eu queria muito escutar essa música na rua... Aí eu pulei, pulei velho, pulei. Mas quando eu vi o povo dançando eu tive que parar pra ver, porque foi bonito viu. Mas não é essa a música ainda.

Iara- Nããããão! Agora já era! Vai rolar a ditadura da entrevistadora! (risos)
Rafael C. – Ah, bota aí uma nervosa do Radiohead, bota a Madonna, pra pular é bala. Hum, bota aí essa do Kraftwerk - Computer Love - que não tocou no show! Essa aí eu pulo.

Iara – Vamos aproveitar que você está se formando em arquitetura: uma construção interessante.

Rafael C. – No Brasil ou no mundo? Eu vou no mundo ein. Uma do Louis Kahn. Ele já se foi, mas era muito bom. Foi a minha primeira grande inspiração na faculdade. A construção é a Assembléia Nacional de Bangladesh, em Dacca. Uma composição de monólitos prismáticos rasgados, uma construção forte, misteriosa apesar de simples.
E rolou uma identificação muito bacana com a população. Eles zelam muito pelo projeto, e esse eu acho que é o ideal de todo arquiteto, conseguir sensibilizar, fazer com que uma edificação realmente pertença àquele povo e lugar. É um pouco o que eu desejo para o meu trabalho, a arquitetura sendo vivenciada e apropriada de uma forma tão bonita como essa que o Kahn conseguiu.

Iara – Na pegada: um artista.
Rafael C. – Dessa vez vou ser rápido: Arto Lindsay. Eu adoro ele. Eu poderia falar outros que admiro, Carlinhos Brown, sei lá, mas deixa o Arto, porque ele extrapola a música. Ele brinca com os meios, com as fronteiras, admiro muito. Além disso é um cara que às vezes eu tenho oportunidade de me esbarrar por aí sabe? Não na tietagem né. Quando eu encontrei com ele, aqui no cinema, a gente conversou como duas pessoas comuns, como qualquer pessoa que pára ali diante daquele balcão. Falamos sobre arte, falamos até sobre arquitetura. Ele falou e escutou, foi uma troca, e apesar de estar tocando o som dele na hora eu não estava na posição do tiete. Ele deu conselhos, disse pra eu viajar, América Latina, essas coisas. Poxa, uma dica de Arto Lindsay, um cara que eu admiro muito! Ah, deixa eu falar.. Thonzinho gente! O Thom Yorke, esse menino me criou. Ele também é um artista e tanto.

Iara – E já está coroa en.
Rafael C. – É né, está envelhecendo, todos nós, mas não tá ficando chato não gente! Ele cresce... É outro artista que eu admiro muito. Pena que ele não vem nas sessões aqui do cinema, eu falaria um monte de coisa pra ele (risos).

Iara - Poxa, mas tietagem é fogo né, eu nunca pararia um artista na rua!
Rafael C. – É. Isso é uma coisa que eu condeno. Isso de abordar, falar, tirar foto... Eu acho meio deslocado... Mas sempre acabo fazendo. Eu já falei com muita gente. No auge dos Los Hermanos conheci o Rodrigo Amarante. Tirei a tal da foto, mas foi uma das melhores abordagens. Falei muita besteira, mas rolou uma identificação, trocamos piadas péssimas. Já não foi a mesma coisa com o Marcelo Camelo. Foi no Pelourinho, ano passado, me bati com ele – “ah, não vou falar com ele não!” – não deu 2 minutos e eu já estava lá falando com ele. Já falei com Wagner Moura, com Tom Zé, esse povo todo... Gente que eu admiro né. Mas condeno tietagem, bizarro, não vou fazer mais isso! (risos).


Iara – Ai, ai (risos). Vamos lá: Um filme de arte muito ruim.
Rafael C. – O Iluminado. Eu quase apanho quando falo isso, porque o filme é uma unanimidade, todo esse culto ao Kubrick, mas eu detesto esse filme! E por isso eu acabei detestando, por tabela, o Jack Nicholson, o que não é algo muito saudável porque às vezes ele é bom. Nesse filme ele só provou que sabe fazer careta, procurei a personagem e não achei. O Kubrick estragou uma história muito boa, esvaziou as coisas, e ele tinha um cenário bala na mão, além do recurso. Curto muito o Stephen King, também tem isso.

Iara – O amor já aconteceu para você?
Rafael C. – (risos prolongados) É engraçado isso de amor, porque quando eu era criança eu não gostava e nem entendia as músicas de amor, tipo Zezé di Camargo e Luciano, isso não fazia sentido nenhum, eu achava insuportável. Falar de amor era tipo um clichê vazio. Mas depois de certo dia tudo aquilo fez sentido (risos), aquelas músicas se revelaram para mim. Aconteceu, aconteceu gente, acontece... É bom, é meio sorte e revés, aprendizado, estrada. Uma coisa que eu aprendi (risos): o amor move... Amor constrói. É isso, respondendo a sua pergunta de antes, meu ideal é construir, talvez por isso eu tenha escolhido arquitetura e o amor...

Iara – É algo que vai fazer parte do seu prédio!
Rafael C. – Vai, vai, com certeza. É o catalisador, a argamassa. O amor é o que dá liga, é o que une as pessoas e os tijolos.

Iara – Esse é o conceito mais bonito que eu já ouvi menino! (risos)
Rafael C. – (risos) É, e eu quero morar bem.

Iara – A última então, super criativa, profunda, e inédita: Qual é a sua cor preferida?
Rafael C. – (depois de uma longa história) Então eu vou te dizer que é verde. (risos)