quinta-feira, 14 de abril de 2011

Já nasci perto do fim.

"Meu nome é Daniel Rebouças Carvalho, nasci em 26 de Novembro de 1982, no bairro de Brotas, lá no Iperba, aquele hospital perto do cemitério. Já nasci perto do fim." E assim começou nosso papo, numa tarde quente de sábado, lá na Aliança Francesa. Bom, Daniel é um ex colega de faculdade, e me lembro o quanto essa figura me intrigou logo na primeira semana de aulas, lá em São Lázaro, eu ainda com 17 anos. Além da história, temos em comum o gosto por música e pelo ensino, e mesmo nesse vai-e-vem que a vida é, estivemos sempre em contato nestes últimos 8 anos. Já era alguém que queria entrevistar há muito tempo, pois adoro sua eloqüência. Aproveitem um pouquinho dela aqui:

Iara – Começando por ela: tudo pela ou para a música?
Daniel – Hum... Na verdade acho que tudo para, porque pela seria tudo o que eu nunca quis na vida que é viver de música, ser instrumentista, nunca tive disciplina pra isso, apesar de ter começado a tocar com 7 anos de idade. Então tudo para. O esforço que a gente faz para manter os instrumentos, comprar coisas é mais para a alegria, ficar feliz ao ouvir música, gravar algo pessoal, mas nunca pela música, no sentido de ser músico profissional. Eu tentei uma época parar tudo que eu estava fazendo para me dedicar à banda, de 2007 a 2008, mas vi que não era a minha, não tenho essa estrutura pra música. Acho que quem vive de música tem que ter uma estrutura muito grande para aguentar a decepção, principalmente no cenário alternativo, você faz um esforço danado, investe bastante, e o reconhecimento é muito difícil, normalmente bem aquém do que você imagina, e isso cansa com o passar do tempo. Hoje eu toco só por divertimento em casa, tento compor alguma coisa, mas ter banda não penso mais não.

Iara – É divertimento ou diversão?
Daniel – Pode colocar divertimento, qualquer coisa coloca divertimento/sic pra dizer que foi invenção minha, pode colocar a culpa em mim, não me preocupo não (risos).

Iara – (risos) Ok. Perguntinha abestalhada agora: Você aderiu totalmente ao Facebook? E o Orkut era legal?
Daniel – Não, eu saí. Eu nem precisei assistir o filme “A Rede Social” pra querer sair, dizem que normalmente quem assiste o filme fica enojado com o processo de fofoca e mentira que envolveu a criação do Facebook. Eu saí há umas duas semanas porque eu estava perdendo muito tempo ali. Eu tenho um hábito na internet: olho os emails, depois um blog de fofoca e besteira pra relaxar e acessava o Facebook, e às vezes ficava procurando o que fazer lá, aí me irritei um pouco e saí. Ah, o Orkut era legal pelas comunidades, principalmente para baixar músicas, a discografia, era um serviço de utilidade pública na web (risos). Como a comunidade está sofrendo muita perseguição, não tem mais tanto arquivo disponível, acaba-se achando mais fácil em outros sites, então eu parei também com o Orkut. Deletei os dois, não tenho mais vida internáutica nenhuma, só email.

Iara – Qual é a sua melhor expressão de baianidade? Aquilo que você ouve e fala “véi, isso é baiano pra caralho!”.
Daniel – Hum, deixa eu ver... Eu acho que é “tá ligado”, ainda mais quando eu converso com gente mais jovem, sempre falo bastante. Acho que essa expressão eu só ouvi aqui. Ah, e também tem uma que eu acho que é tipicamente baiana. Toda pessoa de Salvador quando é perguntada sobre alguma coisa responde começando com a interjeição “rapaz”. Não interessa o contexto ou a pessoa com quem está falando, é sempre rapaz, vírgula, 3 pontinhos (rapaz,...). Em São Paulo é “então”, você pergunta algo e a pessoa fala “então...”, e começa a responder. E não tem nada a ver né? Rapaz de quê? Então de quê (risos)?

Iara – Essa é boa pelo contexto (estávamos falando sobre o show da Roberta Sá no TCA): Qual sua opinião sobre o boom de cantoras novas na MPB?

Daniel - Sim, eu estava falando sobre isso. Das que eu realmente gostei foram Céu, que tem um trabalho mais original, e Mariana Aydar, que eu achei bem bonito o trabalho. Roberta Sá é muito afinada, mas eu acho muito...

Iara – Monótono?
Daniel – Não, muito careta nas interpretações. Ela canta muito bem, tem um repertório bonito e tal, mas acho que falta um pouco de sal, apesar d’eu achar bom o que ela faz. A Mariana Aydar é muito boa...

Iara – Sim, todas são muito “boas” (risos).
Daniel – Ah sim, são bonitas (risos).

Iara – Mas me diga o que você acha dessa p... desse boom.
Daniel – Sim, sobre essa porra desse boom. Oh, eu acho que essas musas da MPB são referências, porque desde o começo da história da MPB a voz feminina fez parte do movimento. Nara Leão acho que representou bem essa MPB de música de apartamento, da solidão das grandes cidades, de pessoas intelectualizadas que pesquisavam sobre as raízes da música brasileira, sobre o samba etc... Uma vez eu vi Milton Moura falando sobre isso, que a MPB é um tipo de música das cidades em expansão, saindo das apresentações de cabaré e de rua mais expansivas, para uma interpretação miudinha, aquela voz sem muito alcance. Essas cantoras mantêm certo ar de intelectualidade, de resgate cultural e essa vozinha mais comedida, até por referência, mas eu gosto, acho bom. Mas Ana Carolina tá nesse boom? Eu acho ela muito talentosa, toca absurdamente, mas o repertório é muito aquela vibe de barzinho, e a interpretação dela me incomoda, não acha não?

Iara - É, pra mim ela tem cara de cantora de fundo de copo.
Daniel – É, né? (risos).

Iara – Agora vêm as coisas sérias (risos). Olha que pergunta bonita: Há paixão na sua prática de docência?

Daniel – Então, eu, atualmente, não me vejo fazendo outra coisa. Recentemente eu fui convidado a apresentar o trabalho interdisciplinar da escola, de supetão, e eu percebi que tendo um pouco de informação sobre o que está acontecendo eu consigo me comunicar com certa facilidade com um número grande de adolescentes. Eu tento ao mesmo tempo manter um ar divertido e um ar sério. Acho que minha idade atrapalha um pouco ainda, eu tenho 28 anos, e normalmente meus interlocutores têm entre 14 e 16 anos, dá pra perceber que atrapalha um pouco essa diferença pequena de idade, que tende a melhorar quando eu ficar mais velho. Eu não sei fazer outra coisa e com certeza tenho facilidade em ensinar, tenho uma intuição razoável para pensar aulas mais dinâmicas. Nesse sentido a paixão é total porque é a única coisa que sei fazer, mais do que música até. Recentemente eu vi um documentário sobre o poeta matogrossense Manuel de Barros, e ele diz “eu acho que nasci pra ser inútil, ser poeta”. Parafraseando ele, eu acho que nasci para me comunicar, para ser professor, não só de História, poderia ser de qualquer outra coisa. Agora falando um pouco da paixão: eu acho que ainda sou muito travado, muito tímido. Acho que eu poderia ser mais apaixonado e demonstrar mais isso para as pessoas, ser mais derramado, só que eu sou meio sério. Isso tem uma explicação: foi minha experiência ruim ensinando no Estado, em termos de me sentir desrespeitado e se eu não optasse pela severidade e dureza, não conseguiria dar nem um décimo do pouco de aula que eu consegui dar. E isso me deixou muito magoado, muito ferido e é algo que preciso superar.

Iara – Ah, política: a Dilma vai vingar?
Daniel – Acho que vai vingar sim. Ela tem um perfil bem de diretora sindical, de partido, meticulosa, diferente do perfil de político público, assim como Wagner. Ele é muito bom na articulação interna, mas ainda é um político de formação, sentido persona pública. Já Dilma é mais de administração. Então acho que ela será bastante útil para dar ações concretas ao Governo Federal, e acho isso bacana, e muda historicamente o perfil de presidente no Brasil. Ela é a primeira com esse perfil, porque ou eram militares ou pessoas bem públicas como Vargas, Kubitschek, Lula, e FHC que teve que sair da postura de intelectual para virar persona pública, e provavelmente falou muita coisa que se arrependeu depois. Collor nem se fala, persona pública até hoje, o jeito dele falar e tal. Eu acho que vinga! Mas eu tenho medo do PT por trás de Dilma.

Iara – De quê? De darem uma rasteira nela?
Daniel – Não, não. Pra mim o poder mais perigoso é aquele que não faz barulho. O PT de São Paulo, particularmente, está se articulando pra ter um poder na Câmara e no Senado muito forte, de base aliada, de fazer acordos complicados, então não sei o que esperar. Tenho que explicar uma coisa: Lula é mais que o PT, Dilma não. Dilma é do PT, e ela terá 4 anos para deixar essa marca além do PT, só que a história é outra, não sei se vai funcionar, mas espero que sim.

Iara – Essa agora é holística: preparando-se para o bombástico ano de 2012? (risos)

Daniel – Não, tô não. Tô! Na verdade estou um pouco sim. De 2009 pra cá comecei a perceber que tem ano na minha vida que é de colher e ano que é de plantar. Tem ano que é muito duro, trabalho muito sem ver resultado, bem difícil, como foi 2009. Já 2010 colhi muita coisa legal, passei no mestrado, comecei a ensinar no ISBA, e 2011 agora vai ser um ano de muito trabalho, então 2012 será um ano de resultados, espero.

Iara – Agora, por fim, você deveria deixar uma pergunta para o próximo entrevistado, mas Beto, o colaborador do blog, resolveu inverter isso na última entrevista, e me mandou dar uma resposta para uma pergunta que você fará agora, e a resposta foi Hakuna Matata. E aí, qual será?
Daniel – Ah, eu vi isso (risos). Ah, deixa eu pensar... O que você faz com seus problemas?

Iara - (risos).
Daniel – Mas a música é assim né (risos)? Com é? “Os seus problemas você deve esquecer...”, então, como você lida com seus problemas?

Iara – Como é que você lida com os seus (risos)? Já que ninguém vai responder essa pergunta porque já foi respondida, não é mesmo?
Daniel – Oh, se for um problema com alguém, íntimo, aí eu sou muito sagitariano, como dizem os ligados em signos, eu fico com aquilo martelando na minha cabeça, não consigo esquecer, falo sozinho pensando em como resolver, fico louco, e isso é ruim. E eu era mais covarde em dizer não para as pessoas, mas eu mudei, hoje minha cara mostra muito mais o que eu estou sentindo. Hoje eu lido de frente com os problemas da vida, como ganhar dinheiro e me livrar de projetos que não tragam tanto retorno porque eu preciso viver né? Descolar da asa da mãe, morar sozinho, comprar um carro, enfim, acho que eu lido melhor com os problemas agora.

Iara – Que bonitinho! Valeu Daniel! ;)