domingo, 8 de julho de 2012

Um bate-papo com Ronei Jorge

Todos Dizem Xis volta com uma entrevista especial, após quase 1 ano em standby. Se no começo do blog a ideia era entrevistar os mais chegados, passo agora a uma nova fase: entrevistar artistas que admiro e saber suas opiniões não só sobre a arte, mas sobre temas cotidianos e "filosóficos", desses que todos nós nos questionamos com certa frequência. Quando o procurei, Ronei foi super solícito. Entre contratempos com o cartão de memória cheio do gravador e alguns cafés, começamos o nosso bate-papo, que foi massa! Confiram o que rolou:



Iara - Você tem medo da morte?
Ronei Jorge – Pô, já começou assim né? Tenho sim, eu gosto muito do mistério das coisas, as coisas que parecem insolúveis, que a gente tenta buscar resposta e acha que está na ciência ou na religião, pra mim não tem muita importância não. Eu acho que é isso mesmo, misterioso, não está ao nosso alcance e pronto. Se tiver solução dá muito trabalho descobrir e eu não vejo sentido nessa busca. Então eu não gosto de pensar muito na morte até porque ela é inevitável, e eu acho que a vida não é bacana sempre, mas tem bons momentos, e não sei, não é nem pela questão de se a gente vai embora, ou o que é que vai acontecer, porque eu acho que não acontece nada (risos). Então respondendo mais diretamente, eu tenho medo por ser desconhecido e misterioso, mas também não fico pensando muito nisso não. Teve um momento em que eu pensei muito sobre isso e não foi muito bom.


Iara – Você acha que a gente tende a projetar nossa vida pensando um pouco nela?
Ronei Jorge – Eu tento viver muito o presente, não gosto muito de projetar carreira, filhos, casamento, relação profissional, não penso muito nisso não. Geralmente eu vou vivendo até porque as coisas têm sido surpreendentes pra mim. Se eu parei em algum momento e pensei como seria minha carreira eu acho que não era assim como está agora, e eu acho que como está agora é mais legal do que como talvez eu imaginasse que seria. Eu tenho uma relação com a música desde pequeno, não como cantor ou instrumentista, mas sempre me dediquei muito a ouvir, eu ouvia muita coisa, tenho foto tirando e botando discos, sempre foi minha paixão. Até pensei em trabalhar com jornalismo, trabalhar com música mais observando do que fazendo, mas como eu escrevia e queria muito entrar em banda, que era o meu sonho, eu pensei que a única via que eu tinha sem tocar nada era cantar, né? E no rock como você não precisa ser um grande cantor eu acabei entrando nessa. É assim que tento trabalhar com arte, mais com ideias do que com a execução em si, mas não que eu não tenha esmero na execução. Hoje minha carreia tomou outro rumo, trabalho com trilhas, com vídeo, com cinema, que é minha formação, escrevo textos... E eu nunca projetei muito isso, e foi melhor, acho mais bacana o que estou vivendo hoje, gosto mais.


Iara – Você faz música pra quê ou pra quem? Ou nenhum dos dois (risos)?
Ronei Jorge – Não sei, acho que é algo que a gente que faz música não para muito pra pensar, ou eu pelo menos não.Aconteceu algo muito interessante, eu fiz um trabalho envolvendo músicos daqui e uns alemães, via ICBA. Um dia eu os convidei pra irem lá em casa e um dos alemães disse algo que eu achei muito bacana, ele disse assim: a gente tem que parar de pensar que vai fazer o Sgt. Peppers. É verdade o que ele falou, e isso é um grande avanço na vida das pessoas, porque é uma meta nossa fazer uma grande obra, muito se pensa nisso quando está se fazendo arte, quando na verdade acho que até as grandes obras não tiveram esse significado na época e nem foram pensadas para serem assim, só se tornaram. Então é importante fazer o que você está sentindo no momento, o que você está vendo no seu meio, na sua cidade, no país que você vive, no mundo . A música é uma forma de manifestação que o artista tem pra passar alguma coisa, é um retrato do que ele está vivendo, não só intimamente, mas até o que tem observado, escutado. Pra mim é comunicação, e o diálogo com o público existe, quando você coloca sua música na rua você está conversando, né?

Iara – O que te inspira mais: o amor ou a falta dele?
Ronei Jorge - As letras indicam que é a falta, né? (risos) Eu não preciso de tristeza pra escrever não, não gosto de pensar que eu preciso estar na fossa, estar mal. Acho que o amor e a falta dão inspiração pra escrever de formas diferentes. É engraçado isso porque, por exemplo, Vidinha, uma música que eu fiz, não tinha pensado em relacionamento, eu escrevi pensando na profissão: “tenho uma vontade verdadeira de te abandonar...” que é a música quase como uma doença na sua vida e você tem que lidar com isso e “precisa aparecer dinheiro, parecer amor”, quer dizer, precisa sempre parecer que você está apaixonado por aquilo e às vezes está duro, difícil, não é paixão às vezes, é só ofício, labuta mesmo. Tem hora que o que te leva pro palco é só o trabalho, você tem que tocar, tem que viajar e nem sempre você está apaixonado por fazer isso. É ilusão achar que só vai fazer tudo o que gosta, tem as atribuições, você tem que estar na rádio, dar entrevista quando você não quer dar...




Iara – Vixe (risos)
Ronei Jorge – Aqui não é o caso (risos), eu fiquei até pensando em como falar isso, mas não ia deixar de dar esse exemplo que é super verdade. Então tem esses momentos, mas tudo bem, música é só mais uma profissão. E sobre compor, acho que a gente tem que se forçar a escrever também, é um exercício e eu me forço. No intervalo do primeiro para o segundo disco da Ladrões eu estava escrevendo muita coisa, compondo direto, depois disso foi uma seca gigante e eu fiquei morrendo de medo. Aí comecei a forçar, a escrever e procurar outros caminhos, trabalhei com outras coisas, o que foi muito bom pra voltar pra música depois. Seu ofício não pode ser baseado em sua vida unicamente, é um reflexo da sua observação, do contato com seu instrumento, com músicos, com outras pessoas, dialogando, pescando coisas que as pessoas falam, é um laboratório. É andar na rua e compor, é pegar o violão e forçar um pouquinho, sabe? Pra mim não dá pra esperar uma luz divina, mas geralmente com inspiração eu sinto que é mais legal e é aquela coisa inexplicável do começo da entrevista: o que é isso? Eu não sei. Tem música que sai na hora, como Vidinha, e tem outras que não. Ou então é massa se a pessoa tiver um trabalho onde ganha sua grana e faz música só por amor, isso pra mim é o ideal (risos).

Iara – Por que morar em Salvador?
Ronei Jorge – Suas perguntas são boas viu! Você está até me ensinando uma coisa, porque eu às vezes entrevisto lá no programa Radioca, e eu vou dizer que você criou um método muito bom. Nas suas perguntas as pessoas vão falar de sua profissão, mas não exatamente na limitação pergunta-resposta, tipo “Ah Ronei, como foi a gravação do disco?”, se fosse assim eu não estaria elocubrando tanto aqui (risos).

Iara – Massa, obrigada. Pois é, eu acho legal colocar mais contexto na pergunta, ampliar, aí a pessoa pode ir pra onde ela quiser, fica livre pra se direcionar na resposta.
Ronei Jorge – É... Bom, morar em Salvador. Vou começar de lá de trás. Eu sou daqui, meu pai trabalhava em banco e a gente viajava muito. Morei 2 anos em Recife e 3 em São Paulo. E eu fiquei com essa vontade de voltar a morar em São Paulo durante a adolescência, mas com o tempo eu fui entendendo e gostando mais de Salvador, e vendo que eu fazia bastante parte daqui. Antes eu achava que não, me perguntava o que eu tinha a ver com essa cidade e hoje eu não me imagino em outro lugar. Eu acho que sou super baiano. E foi engraçado quando eu trabalhei com o pessoal da Lunata, mais novos, com um som mais melodioso, meio Hermanos, indie, e eles me disseram que não se identificavam com a cidade, e eu disse que eles deveriam se ver aqui, porque esse tipo de som existe aqui há muito tempo.
A gente brigou muito tempo com um tipo de cidade, e isso ficou tanto em nossas cabeças que nos desvincula dela. A cidade do turismo e tal, que é legal também, mas não é só isso. Aí rolam umas coisas esquisitas, como ser entrevistado aqui e as pessoas perguntarem por que rock, quando Raul Seixas é daqui, sabe? Quando a cidade teve um monte de vanguarda, pensamentos modernos pra caramba, no cinema, com Glauber, muito à frente no tempo, um cara com uma visão muito aberta, de Vitória da Conquista. Tem isso também, a arte do interior da Bahia é muito forte. Aqui teve Soul Music com Hyldon, a base do Tropicalismo, da Bossa Nova. A gente fica viciado em criar um estigma, como se isso tudo tivesse sido um acaso e pronto. Não foi só um momento, a cidade se configurou assim, essas pessoas dialogavam e aconteceu. Então eu vejo hoje a cidade buscando de novo isso, com blogs, com sites, programas de TV, como o Mê de Música, a gente lançou a Bequadro, uma revista de música, as bandas de rock, os artistas de música brasileira. Isso tudo junto é algo pra ser olhado, percebido. Pô, na cidade estão acontecendo coisas. E eu não me mudaria daqui porque é a gente que faz a cidade. E ela está fervilhando, não só no circuito que eu frequento, mas muito mais pra lá, nas periferias, a cidade está acontecendo. Às vezes não fica no foco do que é nacional, ainda Rio e São Paulo pautam o que é forte. Tudo bem, mas a gente não pode só se pautar por eles, a gente tem que olhar pra dentro, pro Nordeste, pra também não cometer o mesmo erro que eles quando olham pra cá.

Iara – Já te compararam a algum artista?
Ronei Jorge – Fisicamente já, Renato Russo. Eu estava com Edinho andando na Avenida Paulista e um cara de rua, mendigo, olhou pra mim e cantou “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã” (risos). Foi muito engraçado. Já vieram me perguntar o que eu achava dos direitos das músicas ficarem com a família, me falaram que era pra eu ter dito “eu morri”, (risos). Agora que minha barba cresceu já cantaram pra mim “na, na, na, não não quero mais carnaval”, do Raul. Musicalmente quando eu fiz a Ladrões, por conta da mistura de música brasileira com Rock, compararam aos Los Hermanos.

Iara – E você ficou chateado com isso?
Ronei Jorge – Não. Apesar de ser mais velho do que eles, a gente tava na mesma sintonia, todo mundo ouvindo um pouco as mesmas coisas. No início, logo quando a gente começou não tinha muita comparação não, os Hermanos não eram tão conhecidos e a gente tinha uma abordagem bem particular. A formação da Ladrões era eu, Edinho e Pedrão, que tocavam numa banda instrumental de jazz e música brasileira, e Serginho, que já tinha tocado muitos estilos diferentes. Com essa bagagem toda a gente só deslocou pro rock. No nosso 1˚ show a gente sentiu que a galera ficou espantada, mas que tinha gostado. Aí aprofundamos mais na música brasileira, engraçado que até antes, na Saci Tric, os covers eram de Walter Franco, Jorge Mautner, Caetano... Releitura de músicas nacionais, que sempre foi uma paixão minha.

Iara – Essa foi um amigo meu que sugeriu: Como foi ter Pedro Sá na produção do disco Frascos Comprimidos Compressas?
Ronei Jorge – A gente ganhou o Petrobrás de música e queríamos chamar um produtor que ainda não tínhamos trabalhado. Quem fez nossos EPs foi Gilberto Monte, nosso grande amigo, músico talentoso. Esses Eps foram muito bem recebidos nos nossos primeiros shows em São Paulo, o pessoal conhecia e gostava muito. Foi um EP que já de cara mostrava o nosso som, Gil traduziu isso bem. Nosso 1˚ disco quem fez foi Luiz Brasil e foi uma experiência maravilhosa, porque ele é um cara de música brasileira, tinha uma experiência enorme com vários artistas: Cássia Eller, Gal Costa, o próprio Caetano, pô eu vi Luiz tocando no Circuladô... e abriu novas perspectivas, aproximou mais ainda o som da música brasileira. Ele foi um parceiro incrível, aliás, todos os 3 produtores foram super parceiros. Aí pro próximo disco surgiu o nome de Pedro Sá, que já tinha feito o disco de Rubinho Jacobina e o Cê de Caetano. Na banda decidimos por ele, aí sobrou pro cantor falar com o cara, né? (risos) Chamei Pedro, mas ele estava ocupado e sugeriu outros nomes, legais também, mas eu disse que a gente queria ele. No final das contas ele topou e veio assistir um ensaio da gente. No 1˚ dia Pedro ficou mais calado, só ouvindo a gente tocar, não disse nada. No final eu dei uma carona e perguntei o que ele achou, né? Ele disse que tava ótimo, que a banda estava super pronta. Aí eu perguntei sobre metrônomo e ele disse que só na cabeça, no começo usa o metrônomo e depois larga. A gente gravou no estúdio de Tadeu, cada um em salas separadas, mas todo mundo tocando junto, menos a voz. A gente ficava no estúdio até amanhecer. Pedro veio com um técnico de som excelente, Igor, e eles dois são uma dupla não só muito profissional, mas de figuras espetaculares. Uma paciência zen dos caras, de pedir pra gravar de novo, de se ligar nos detalhes e Pedro tem uma inteligência de produção muito grande, porque deixava a gente responder no processo natural da banda. Ele entendeu rapidamente o som e com sensibilidade conseguiu, junto com Igor, chegar o mais próximo possível do nosso trabalho. Em minha opinião, esse disco traduz perfeitamente o nosso som na época.  Essa pra mim é a grande lição de um produtor, fazer render o trabalho da banda. Entender o que é esse som, que as vezes só quem tá de fora percebe. Pedro fez essa leitura com perfeição.


Iara – Hora das rapidinhas: Um hit.
Ronei Jorge – Carinhoso (risos).

Iara - Um diretor de cinema.
Ronei Jorge – Carl Dreyer, por causa do filme A Palavra. Acrescento aqui, malandramente, Billy Wylder, Polanski e Joaquim Pedro de Andrade.

Iara - Um Clichê.
Ronei Jorge – Ah, final de música com virada de bateria e prato. Eu falo com uns amigos meus que você pode fazer uma música bem ruim, mas se você terminar desse jeito já ganha, com raras exceções.

Iara – Um(a) Compositor(a).
Ronei Jorge – Um só né? Ó, mesmo que eu tente fugir... Caetano. E eu gosto muito de Chico também.

Iara – Uma droga.
Ronei Jorge – Café. Nunca fui muito afeito a drogas, não tenho nada contra, mas, sei lá, nunca tive vontade nem curiosidade assim... Bebo pouquíssimo, agora café eu gosto muito.

Iara – Projeto futuro.
Ronei Jorge – Não existe pra mim (risos). Projetos atuais são vários: uma trilha pro Grupo Dimenti; eu fiz um curta metragem com Paula Alice, atriz e dramaturga, e com Rodrigo Luna, cineasta e diretor de clipe; na música o que já está rolando, e que eu estou apaixonado e vou pro ensaio com um sorriso enorme, é esse projeto meu e de Edinho Rosa, estamos com uma banda já. Eu estou muito feliz, as canções de Edinho são lindas. E escrever pra Bequadro, essa revista de música idealizada por Jamile, minha produtora e amiga, e tem sido uma experiência incrível, muito boa mesmo.

Iara – Uma dúvida.
Ronei Jorge – Pra mim tudo é dúvida, tudo está em aberto, essa é uma grande certeza que eu tenho. Tudo está para ser feito, as possibilidades estão aí. Muito difícil dizer uma dúvida. Engraçado, aí volta àquela história da morte que você perguntou, eu não sei, não fico pensando nisso de Deus, deixa lá, sabe? (risos).


Iara - Valeu Ronei. :)

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Iara,
Adorei a entrevista. Achei bem conduzida. Obrigado por ter feito minha pergunta.
Confesso que quando ele fala em Salvador, da cidade fervilhando, traz uma leve saudade de tudo isso aí.
Vida longa a seu blog nesta nova fase. E um salve gigante para Ronei Jorge, considero-o um grande artista!
Leandro Sales

Thiago Brandão disse...

Parabéns pela entrevista! Adorei.